quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Buenos Aires aumentou rigor na fiscalização após morte de 194 pessoas em boate em 2004 primir

 

 

Relembre outros incêndios11 fotos

5 / 11
30 de dezembro de 2004 - República Cromagñon (Argentina): Feridos em frente à boate República Cromagñon, em Buenos Aires. O fogo causado pela faísca de um sinalizador usado por uma banda durante um show matou 194 pessoas. O gerente da discoteca e dois funcionários responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos foram condenados a penas de 18 e 2 anos de prisão Leia mais
O acidente que matou mais de 230 jovens em uma boate em Santa Maria (RS) no dia 27 de janeiro ganhou muita repercussão na Argentina, onde há oito anos um incêndio com características bem parecidas tirou a vida de 194 pessoas em uma casa noturna de Buenos Aires.
As mortes na boate Cromañon, no bairro do Once, foram um divisor de águas na noite da capital argentina. Frequentadores e empresários do setor afirmam que as exigências para manter locais em funcionamento aumentaram, bem como a burocracia e o tempo para cumpri-las.
A Agência Governamental de Controle, órgão de fiscalização do governo da cidade --equivalente a prefeitura-- criado quatro anos após a tragédia, afirma que, a cada fim de semana, de dez a 15 estabelecimentos são fechados e que todas as casas noturnas passam por, no mínimo, três inspeções anuais. São 120 inspetores escalados para o trabalho. Entre os principais itens verificados, estão os registros para funcionamento, a capacidade de público, a sinalização de saídas de emergência e os extintores de incêndio.
Ampliar

Incêndio em boate de Santa Maria (RS)200 fotos

1 / 200
6.fev.2013 - Cerca de 20 clientes de Vilma Junges, proprietária de loja de Santa Maria (RS), pediram para remarcar data de locação de trajes para festas que estavam reservados para os dias posteriores à tragédia que deixou mais de 230 mortos na cidade
Maria Bilotte, assessora de imprensa do Ciudad Cultural Konex, inaugurado no ano da tragédia, a pouco mais de 100 metros do local onde funcionava o Cromañon, afirma que o cuidado com as licenças é redobrado e que algumas vezes a venda de entradas chega a atrasar devido à demora para conseguir todos os papéis: "Demanda tempo, trabalho, custos. É um processo desgastante, mas necessário, e, se vai evitar que ocorra outro Cromañon, é positivo".
Instalado em um local onde funcionava uma fábrica, o Konex é um dos principais centros de cultura de Buenos Aires e teve de fechar após o incêndio na casa noturna vizinha, depois de ter promovido apenas um show. Maria conta que foram realizadas obras e muitas mudanças na infraestrutura do local até a reabertura, quase um ano após o acidente.

Testemunhas

Frequentadores de longa data da noite de Buenos Aires, como a locutora Gladys Benitez e o músico Fernando Perales, afirmam que notaram uma grande diferença na estrutura de bares e boates após o acidente, embora destaquem que nunca presenciaram inspeções e que muitos itens ainda são falhos.
"Percebo que algumas boates tendem a revistar mais o público para garantir que não entrem com nenhum item proibido, como objetos cortantes e fogos de artifício. Também estão mais cautelosos com a capacidade, os limites de idade e a proibição de fumar. Na maioria dos casos cumprem a lei, mas nem todos os lugares têm extintores de incêndio à mostra, sobretudo os maiores. E poucas vezes vi letreiros indicando as saídas de emergência", conta a locutora de 32 anos.
Fernando, 42, músico da cena independente da cidade, acostumado a tocar em lugares pequenos, conta que, como consequência da fiscalização, muitos destes espaços começaram a fechar, por não conseguirem arcar com os custos da legalização --sobretudo no quesito segurança. "Sobraram os lugares médios e grandes, para bandas com mais público. Os novos artistas ficaram sem lugar para tocar. Os últimos anos para grupos menores foram muito difíceis e foram criadas 'estratégias de sobrevivência', como shows em casas de pessoas".
  • Arte UOL
    Clique na imagem e veja: os itens de segurança que podem evitar incêndios em casas noturnas
José Antonio Iglesias, presidente da associação que reúne familiares das vítimas do Cromañon, "Que no se repita", radicaliza e diz que a fiscalização está longe de ser suficiente. "O que se fez após o incêndio foi maquiagem". Ele lembra que em 2010, o teto do primeiro andar da casa noturna Beara, no bairro de Palermo, desabou, matando duas jovens e ferindo 20 pessoas. Assim como o Cromañon, o local possuía licença de funcionamento, mas desempenhava atividades diferentes daquelas para as quais tinha permissão, o que lhe possibilitava economizar nos gastos com a segurança.

Os personagens da tragédia em Santa Maria

Os donos
Mauro Hoffmann, 47, e Elissandro Spohr, o Kiko, 29, são os donos da casa noturna Kiss, onde aconteceu o incêndio que matou até agora 237 pessoas no dia 27 de janeiro. Eles são suspeitos de manter a boate sem plano contra incêndio adequado, com saídas de emergência insuficientes e equipamento, como extintores, defasados. Também é possível que o local estivesse superlotado. Ambos estão presos
A banda
A Gurizada Fandangueira se apresentava na boate na hora da tragédia. A suspeita para o início do incêndio é o uso de um sinalizador, inapropriado para um show fechado, durante a apresentação. A banda diz que sempre utilizou esse tipo de pirotecnia e alegam pane elétrica como causadora do fogo. O vocalista, Marcelo Santos, e o produtor Luciano Bonilha Leão estão presos. O gaiteiro Danilo Jaques, 30, morreu no incêndio
O delegado
O delegado regional Marcelo Arigony chefia a investigação. Ele, que também é professor de direito e perdeu alunos e uma prima de 18 anos na tragédia, já afirmou que a espuma usada como isolamento acústico na boate foi a grande vilã do incêndio e que a casa havia feito reformas "ao arrepio de qualquer fiscalização, por conta e risco dos proprietários"
Responsável pelo primeiro alvará
O então major Daniel da Silva Adriano, do Corpo de Bombeiros, assinou, em 2009, o alvará de prevenção e proteção contra incêndio da boate, válido por um ano. Foi esse documento que permitiu a abertura da casa
Responsável pela renovação do alvará
O capitão Alex da Rocha Camillo assinou a renovação do documento, em 2011. Segundo o registro, o local "foi inspecionado e aprovado, de acordo com a legislação vigente"
O prefeito
Cezar Schirmer (PMDB) foi reeleito prefeito de Santa Maria em 2012. O político vive um embate com o governo estadual, do petista Tarso Genro, responsável pelos bombeiros. O prefeito afirma que a prefeitura local não tem culpa pela tragédia e a aponta os bombeiros como responsáveis pela falta de fiscalização do sistema de combate a incêndios
"Há muitas pessoas aproveitando este negócio. Vários advogados, por exemplo, orientam donos de boates sobre como se ajustar às regras sem cumpri-las", conta Matias. Ele afirma que a manobra possibilita o funcionamento de casas que têm dificuldades para se adaptar às normas pelos altos preços cobrados para o cumprimento das medidas de segurança. "Logo após o acidente, a cidade passou de uma fase em que não se regulamentava nada para outra em que se regulamentava tudo", descreve ele.
Com o fechamento de várias casas noturnas após a tragédia da boate Cromañon, outro desdobramento foi a proliferação de espaços clandestinos. Um esquema muito comum para o funcionamento destes pontos, segundo Matias, é a divulgação dos endereços apenas após a confirmação dos convidados para o evento. "Geralmente ocorre mais com shows acústicos. Somente depois que as pessoas mandam o e-mail confirmando, elas recebem o endereço". Fernando Perales conta que às vezes são divulgados apenas indicações dos locais --entre um número e outro de uma rua, por exemplo.
Questionada pela reportagem do UOL, a agência de controle afirma que as acusações de recebimento de propina são um assunto da Justiça, fora da ingerência do órgão e também chamou de "grande erro" o funcionamento de espaços clandestinos, já que "a cidade conta com fortes medidas de controle e os mesmos frequentadores destes locais são aqueles que denunciam irregularidades".
Em Buenos Aires são necessários três documentos para manter bares e boates funcionando legalmente: um certificado do Corpo de Bombeiros, a habilitação da Agência Governamental de Controle e o registro da prefeitura que formaliza e finalmente libera o espaço.
José Antonio Iglesias conta que a agência chegou a procurar a associação de familiares das vítimas do Cromañon para que inspecionasse, junto com os técnicos, as condições de casas noturnas, mas ele conta que, assim como outros pais de jovens mortos, se sentiu ofendido com a proposta. "Não apenas seríamos corresponsáveis, como cúmplices se houvesse qualquer problema. Não somos engenheiros de segurança. Esta não é nossa incumbência de maneira alguma".
Ampliar

Veja vítimas do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS)73 fotos

64 / 73
Nascida em São Francisco de Assis (RS), Melissa Berguemaier Correia era estudante de Agronomia na UFSM Leia mais

Veja vídeos sobre a tragédia em Santa Maria (RS) - 27 vídeos

 

Propina

Iglesias e o baterista portenho Matias Coulasso, que vive no Rio de Janeiro há um ano, destacam o pagamento de propina à polícia e a funcionários da Agência Governamental de Controle para liberar o funcionamento de muitos espaços. O esquema faria parte de uma indústria não oficial para manter abertos locais não autorizados ou autorizar locais que não deveriam estar abertos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário